Ir. Jaíbson Silva, CSC.

       Iniciamos o tempo da Quaresma com a celebração da quarta-feira de Cinzas, ritual litúrgico que nos introduz no mistério de Cristo a viver o sacramento da penitência. Chamamos de quaresma os quarenta anos de caminhada do povo judeu pelo deserto, que também está relacionado aos quarenta dias que Jesus passou no deserto vencendo as tentações e as seduções do prazer e do ter, através do jejum e da oração. O tempo da Quaresma é também sacramental, no qual o próprio sacramento da reconciliação torna-se elemento central na vida do fiel, levando-o a corresponder aos apelos de Deus por intermédio de uma sincera conversão.  


O “arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15) é o pronunciamento de Jesus designado a todos os cristãos a viverem, neste tempo favorável, segundo a observância da oração, do jejum e da escuta atenta da palavra, a reconciliação com Deus e com os irmãos. Para isso, precisamos entender que o sentido dessas práticas quaresmais não consiste na quantidade de obras que realizamos, mas na sinceridade com que o nosso coração deseja realizar. Pois do que adianta cumprir um calendário de boas ações se elas não correspondem ao mandamento do amor? O fato é que, ainda, não aprendemos a doar a nossa vida por amor, mas por razões pessoais externas a nós e sempre “em vista de um reconhecimento” (Mt 6, 2) pessoal, social ou até mesmo religioso.

Neste contexto de Quaresma é importante que nos coloquemos diante de Deus como “a pecadora caída” (Lc 15, 18) que foi capaz de derramar aos pés de Jesus a sua própria vida, em busca de uma vida perdoada. Assim, ela obteve o perdão e a alegria de viver o itinerário de sua páscoa. O tempo quaresmal possui uma característica que leva a pessoa a refletir melhor sobre seus atos e suas inclinações para o pecado, uma vez que a sua vida se distancia de Deus e todo pecado torna-se uma ofensa a Deus. Mas Deus, em Cristo Jesus, é sacramento de reconciliação por excelência e não quer deixar nenhum de seus filhos “à beira do caminho” (Lc 10, 30). Ao contrário quer nos resgatar para uma vida nova, cobrindo-nos de misericórdia, a fim de alimentar a nossa fé e o nosso comprometimento com o Evangelho.

A cada dia torna-se mais evidente a prática desafiante de viver o tempo sacramental da quaresma. Pois ela propõe ao ser humano realizar um encontro pessoal com Jesus, sentir-se motivado a fazer uma avaliação de si mesmo, aprofundar o mais íntimo do seu ser: sua humanidade pecadora e a sua sede espiritual. Nem sempre é fácil conciliá-las. É necessário a pessoa querer entrar num dinamismo de conversão, maravilhosamente descrito por Jesus na “parábola do Pai misericordioso” (filho pródigo), cuja busca, consiste no desejo de, através do pai, alcançar “a misericórdia” (Lc 15, 11-24). Assim, buscar a conversão diária com Deus Pai, que liberta e salva, é muito mais importante do que ficar preso aos padrões sociais, políticos e ideológicos de nossa sociedade, que nunca satisfaz a pessoa humana em sua totalidade.
 Com a influência da pós-modernidade e a sua infinidade de contra valores, as pessoas não mais cultuam a observância ético-moral e religiosa da vida como um valor importante, mas procuram satisfazer a incessante realização do prazer, do poder e do ter, causados pela propensão ao individualismo. Esse e outros fatores têm fragilizado o sentido real da plenitude da vida, sobretudo, o desejo desenfreado de consumo, cujo dinheiro tornou-se objeto de adoração e não de serviço ao bem comum da vida.  
   
É neste contexto que a Quaresma também inaugura, com a quarta-feira de cinzas, a abertura solene de ação de graças da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC). O tema escolhido para este ano é: “Economia e Vida”, sob a importância do lema: “ Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”, baseado no trecho do evangelho de Mateus 6, 24.

Este tema vem atender às necessidades urgentes de nossa sociedade, sobretudo de se ter uma nova reflexão a respeito da economia e sua relação com a vida. O Texto- Base nos propõe como objetivo geral: “colaborar na promoção de uma economia a serviço da vida, a partir do esforço conjunto das Igrejas Cristãs e de pessoas de boa vontade, para que todos contribuam na construção do bem comum em vista de uma sociedade sem exclusão”. É necessário entendermos que o ecumenismo tem a sua importância nesta Campanha e que a responsabilidade para com a vida é um dever de todos. Que a oração, a escuta da palavra, a conversão, a justiça, o direito e a economia a serviço da opção pelos pobres, devem tornar-se atos comuns a todas as pessoas, inclusive, às confissões religiosas.

  Ainda é importante que, nestes dias de quaresma até chegar à festa da grande Ceia do Senhor, as pessoas se reúnam, enquanto comunidade, para realizar as celebrações litúrgicas, e na participação, apreciem a liturgia da sagrada Escritura, os rituais, pelos quais seus hinos, salmos e cânticos, nos aproximam mais de Deus. Assim, todo ato e culto prestado a Ele transformará nossas vidas em atos de fé, em verdadeiras ações litúrgicas, as quais consistem em todo e qualquer serviço prestado às pessoas.

Que nesta Quaresma possamos colocar no centro de nossas atenções a vida e o testemunho de Jesus, que manifestou o perdão dos pecados durante toda a sua vida pública. Que ele nos leve a desarmar o nosso coração e nos reconcilie sempre com Deus a viver uma vida digna em sua Paixão e Morte em preparação à Páscoa. Esta é a nossa referência, vamos até ela com fé!

A todos e a todas
Um bom tempo litúrgico de Quaresma.

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